Passaram-se mais de oito anos que moro ‘longe de casa’. Nesse período, passei por algo que poderíamos chamar de um processo de perda de identidade. Algo lento e sutil. Acho que esta é uma sensação comum a pessoas que não vivem mais na terra pátria. Nós nem nos damos conta do quanto mudamos e, de certa forma, deixamos de ser nós mesmos.
O tempo vai passando, você vai perdendo antigos hábitos, passa a adquirir costumes do lugar onde se encontra e, sem perceber, não é a pessoa de antes. Aquilo que era dado como certo já não existe mais.
Eu me lembro do pão de queijo e do café passado na hora, daquele cheiro inconfundível que me acordava todas os dias. Naquele tempo eu jamais poderia imaginar uma vida sem pão de queijo. Até hoje tenho essa dificuldade (rs), mas a dura realidade é que tenho passados meses sem provar dessa iguaria que era sagrada no ritual das minhas manhãs.
Assim como a mudança no sabor do café da manhã, que em questão de dias passou a se chamar pequeno-almoço, muitas outras coisas sofreram alterações. Incluem-se aí a maneira de pensar, os meus pratos favoritos, o meu gosto musical, o ritmo de vida. Me peguei até mesmo apreciando o movimento das pessoas à beira de um rio, algo impensável na correria da vida em Belo Horizonte.
Os costumes mudaram e, de repente, já não existiam tardes sem aquele café curto com os amigos ou um fim de semana sem um fino no Piolho. Nessa nova realidade, piolho deixou de ser aquela coisa que as crianças carregam na cabeça para se tornar o meu bar favorito.
Bastou outro piscar de olhos e um prato de bife de rena acompanhado de geleia, um pôr do sol à meia-noite e temperaturas próximas aos -20C passaram a fazer parte da minha rotina. Quando me dei conta, eu já era uma cidadã sem pátria, aquilo que o dicionário costuma chamar de expatriado.
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Foi assim que me senti não mais brasileira, portuguesa e longe de ser sueca. Me sinto como uma pessoa de várias pátrias e sem nenhuma ao mesmo tempo. Mesmo que um papel e um passaporte atestem o contrário, sempre existirão diferenças entre mim e um nativo e, por mais que seja complicado entender, essa diferença também é sentida em relação às pessoas do lugar onde você nasci. E isso é muito confuso.
Depois de muitos anos vivendo fora do Brasil, essa crise de identidade bateu à minha porta e eu me senti estranha. É como se eu pertencesse a todos esses lugares e a nenhum ao mesmo tempo. Isso pode até ser bom, mas nós gostamos de pertencer à algum lugar, não é mesmo? Essa desordem de pensamentos veio à tona e eu precisava encontrar o caminho do meu eu.
Foi preciso sair da minha zona de conforto novamente, deixar para trás minha casa, minha filha, minha nova pátria, meus apegos, e ir sozinha em busca desse reencontro.
Foi assim que andando sem rumo por ruas desconhecidas, sem compromisso, sem mapa e sem pressa de chegar a lugar nenhum que realinhei o emaranhado de fios embaraçados do meu pensamento e me reencontrei.
Uma cidadã sem pátria, feliz com a liberdade de pertencer a três ‘mundos’ e com uma vontade enorme de ainda viver em muitos outros. Um alguém que ama rumar para o desconhecido, que adora uma prosa sem fim nem propósito com pessoas que talvez nunca mais encontre na vida. Um alguém que dança, às vezes sem música, porque o que aprecia mesmo é o ritmo da vida.
Nesse compasso me lembrei que sempre fui essa alma que não se prende, esse ser que ama o desconhecido e que acredita que a partida nunca é definitiva, porque, acreditem meus amigos: existe um caminho de volta! Ele é sempre o mesmo, mesmo que você tenha mudado.
E você, já se perdeu hoje?
P.S.: Acabo de retornar de Bologna, na Itália, onde passei uma semana incrível participando do Blogville. Obrigada, Sílvia, pela oportunidade de passar esses dias perdida na sua bela cidade e ter tido essa chance única de me reencontrar comigo mesma.
Lindo! Mesmo em terra Brasilis se pode sentir assim, mudando de cidade em cidade, já sou de lugar nenhum.
Cara, se já não bastasse um “obrigado pelo seu snapchat”, te devo agora um obrigado por esse texto. Menos de um mês morando em outro país já me peguei no mínimo mil vezes machucado pela distância, sentindo saudades de tudo e pensando outras mil vezes se eu deveria voltar.
Antes de vir pra Lisboa eu estava muito empolgado com mudar de país, sair do Brasil, ser “do mundo” como você diz se sentir (inclusive foi por causa dessa empolgação que conheci seu Snapchat, querendo estar em contato com outras pessoas que fariam o que eu fiz) e essa tristeza toda da distância me tirou essa empolgação. Mas esse seu texto trouxe tudo de volta, como uma enxurrada de sensações. O “tapa na cara”, o “acorda”, o chacoalhão que me trouxe de volta pra Terra e me lembrou o porque de ter entrado nessa empreitada.
Eu quero muito conhecer essa sensação que você diz estar sentindo, de ser do mundo, de se perder. A saudade estava me fazendo esquecer essa vontade toda, e esse seu texto me fez lembrar dela (e agora com mais força do que antes).
Muito obrigado, Gisele.
Ai que amor ler o seu comentário Renato, confesso que não estava esperando e como sou um manteiga derretida, chorei.
Obrigada por compartilhar um pouco da sua história comigo também. Fico muito feliz em saber que de alguma forma
meu desabafo foi útil para te lembrar do seu propósito.
Com o tempo você aprende a conviver com essa saudade!
Boa sorte no seu caminho.
Beijos e Bom di-aaaaa!
Eu vou fazer 7 anos em Barcelona e não me sinto expatriada. Me sinto muito brasileira com alguns hábitos catalães. Me sinto é fazendo parte de outra história, mas que em nenhum momento nega ou se sobrepões a minha história no Brasil. Não sei… acho que nunca vou me sentir expatriada. 😀 Gostei do teu texto. Uma boa reflexão. Também gosto de refletir sobre minha vida em outra país cada vez que completo mais um ano aqui.
Acho que penso o mesmo. Eu nunca vou conseguir negar a minha raíz brasileira, especialmente pelo amor incondicional que sinto pelo nosso país (apesar de seus inúmeros problemas)
Muito bom repensar a nossa vida de vez em quando né, Cris?
Os hábitos e todas essas mudanças não me fazem negar ou se sobrepõe a minha história no Brasil.
Mas as vezes eu me sinto “diferente” até quando estou lá, sabe? De qualquer forma a espontaneidade
e o jeito leve de ver e levar a vida vão estar sempre comigo.
Beijos Chefa
Saudade
Arrasou Gi! ❤️❤️❤️
Obrigada Mari <3